Qual é a diferença entre saber ler e ser um leitor?
Ou sobre como ler é parecido com andar de bicicleta.
Quando buscamos no dicionário o significado para a palavra leitor, encontramos duas definições: (1) aquele que lê para si, mentalmente, ou para outrem, em voz alta, textos escritos; e (2) aquele que tem o hábito de ler. Na vida prática, há grandes diferenças entre a primeira e a segunda acepção.
No primeiro caso, trata-se da pessoa que já passou pelo processo de alfabetização e que, por isso, consegue realizar sem problemas (em outro momento falaremos de alfabetizados funcionais) leitura silenciosa ou oral. Já no segundo caso, entra em pauta a questão do hábito, ou seja, um comportamento que se repete com regularidade.
De qualquer forma, é preciso salientar que a leitura é um processo mental complexo, que envolve tanto atividades cognitivas de baixo nível (tais como a identificação de letras para constituir palavras e a estocagem dessas informações na memória) quanto de alto nível (articulação e integração das informações disponíveis na memória para a construção de um sentido para o texto).
Apesar de a base cognitiva ser a mesma, a mera habilidade de ler textos está muito distante do hábito da leitura, que exige que ler faça parte da rotina. Mas como isso acontece?
Não importa de qual tipo seja, o hábito é um mecanismo que simplifica nosso cotidiano. Transformar uma atividade em hábito significa estabelecer um novo padrão comportamental, uma nova rotina neurológica, de modo que uma atividade que era inicialmente tida como complicada ou até mesmo penosa passe a não requer mais tanto esforço do cérebro, na medida em que passa a acontecer mais automaticamente.
Pense, por exemplo, em quando você aprendeu a andar de bicicleta. Nas primeiras vezes em que andou, eram muitas as coisas em que tinha que prestar atenção: pedalar, equilibrar-se, manter-se em um caminho pré-definido, controlar a velocidade, etc. Isso acontece porque, enquanto o hábito ainda não está instaurado, é necessário que o cérebro atue diretamente na tomada de decisões referentes a cada um desses aspectos. Com a prática, tais aspectos passam a ser automatizados, exigindo menos concentração e diminuindo a atividade cerebral necessária para que andar de bicicleta seja possível. Consequentemente, o cérebro estará mais livre para outras atividades concomitantes, tais como conversar ou apreciar a paisagem.
Assim, quando falamos que alguém sabe ler, estamos dizendo que essa pessoa automatizou os procedimentos mentais de nível mais baixo (decodificação de letras, de palavras, de sentenças), tornando-os um hábito. Isso não significa que o fato de ler frequentemente textos (de diversos gêneros, tamanhos, que tratem de diferentes temas) ainda não seja uma dificuldade. Repare que a maioria das pessoas, mesmo sabendo ler, não possui o hábito de ler; não é, portanto, um leitor. Formar um leitor é muito mais do que alfabetizá-lo, é incentivar o gosto pela leitura como via para o aprimoramento cultural, entre outros benefícios.